Para um Brasil altamente miscigenado,
a discussão racial é, no mínimo, um grande despropósito. A apresentação da
questão racial, apenas pela cor da pele, é uma das maiores negações das
comprovações científicas. Não causa estranheza, que nestes tempos extremados,
de ânimos acirrados e de intolerância, as coisas relativas à diáspora
afrodescendente, provoque tanta discussão, discórdia e violências.
A chegada dos portugueses às costas
brasileiras, sem duplo sentido, iniciou um processo contínuo de miscigenação,
inicialmente com os povos originários, povos esses que são os verdadeiros donos
dessa terra. Imagine que, depois de meses, no meio do oceano, aqueles homens,
em jejum sexual, deveriam estar ávidos por “degustar” ou “se empanturrar” com
corpos femininos, fossem de onde fossem. Relatos sobre esses fatos são bastante
fartos na História da Humanidade, não seria diferente com os navegadores da Era
dos Descobrimentos.
Depois dos portugueses, chegaram por
aqui os espanhóis, os franceses, os holandeses, os ingleses, os italianos, os
judeus, os árabes, os turcos, os russos, os poloneses, os alemães, os
japoneses, os chineses e gente de todo lugar do mundo, fugindo da violência das
perseguições étnicas, das guerras, da pobreza e da fome. Ao chegarem por maqui,
até que se sentissem plenamente em casa, fecharam-se em seus grupos. Depois
foram se relacionando com outros povos e, principalmente, com os nativos. Estes
possuíam(possuem) uma atitude acolhedora sem igual, que muitas vezes foi
confundida com “facilidade” ou promiscuidade. O fato é que essa mistureba criou
esse Brasil multifacetado e plural, tanto etnicamente como culturalmente, que
tornou o brasileiro como uma “raça” indefinida, que gerou o tal “complexo de
vira-lata”, que reduz a capacidade de adaptação desse povo que, por afinidade
ou necessidade, precisou se unir, de todas as formas, para resistir e
sobreviver.
A diáspora negra, no Brasil, se deu de forma violenta e involuntária. A empáfia do europeu, que se achava superior e acreditava que tinha o direito de exercer a dominação sobre todos os povos “periféricos”, matou milhões de pessoas ao redor do mundo conhecido, escravizou os indivíduos mais fortes e capazes de garantir produção. As mulheres, principalmente as de origem nobre dos povos africanos, foram estupradas, mortas e escravizadas. A ocupação das Américas se deu, em grande parte, desse modo. Enquanto na região mais ao norte, onde hoje estão o Canadá e Estados Unidos da América, os negros escravizados não eram de povos muito diferentes, o que facilitou o surgimento de uma resistência muito forte por parte dos escravizados. No Brasil, os negros traficados/exportados/expatriados para cá, eram de várias nações que, via de regra, eram rivais em seus locais de origem. Por isso, a união dos povos originários da África, foi muito mais difícil. E, me parece que, até hoje, essa rixa permanece entre as populações negras, uma vez que se percebe uma grande diversidade de movimentos em defesa da população negra e, cada um puxa a brasa para o seu lado, um dizendo que é mais 100% negro do que o outro. A verdade, nua e crua, é que somos todos mestiços, tenhamos pele clara ou pele escura, não importa, todos temos a mistura de etnias em nosso sangue, uma mistura de europeus, asiáticos, médio orientais, indígenas e afro descendentes. Reduzir a questão do conflito racial, no Brasil, entre brancos e negros, é negar a própria História desse país.
Nunca vou negar que boa parte das
interações raciais, principalmente entre europeus e afros, foram de violência,
inclusive a sexual. Conta-se que as negras escravas, tinha o hábito do banho e
do perfume no corpo, coisa que as brancas europeias eram avessam. Agora
imagine, em plenos trópicos, debaixo de um sol escaldante de verão, não tomar banho
era, simplesmente, terrível. Então, a escolha para as “diversões sexuais”
recaía sobre as mulheres perfumadas e naturalmente belas.
O passado escravocrata do Brasil, com
o apoio da Monarquia, uma vez que o comércio de escravos (negros) era
perfeitamente legal, com feira livres para vender essas almas, deixa uma dívida
histórica sem preço e sem precedentes. O problema é que essa dívida não pode
ser paga em dinheiro, para cada um dos descendentes dos povos escravizados.
Outro engano é atribuir essa dívida histórica a todos os brancos, como se eles
fossem os culpados pela escravidão. A monarquia é que foi a grande responsável,
portanto, quem deveria ser cobrada por isso seria os herdeiros do Trono do
Brasil. Mas o Brasil é uma República, não uma monarquia. Outra coisa,
existiram, também, negros senhores de engenho, que possuíam muitos e muitos
escravos negros, o que lhes auferia status social e um sinal de riqueza. Então,
de quem deve sar cobrada a dívida histórica?
Que existe uma dívida histórica, não
resta a menor dúvida. Ela deve e precisa ser paga. Mas não pode e nem deve ser
paga em dinheiro vivo, esta dívida deve ser paga com políticas de equidade,
organizadas e implementadas pelo Estado Brasileiro, juntamente com o conjunto
da sociedade, através dos seus mais variados representantes, organizados ou
não, a fim de encerrar de vez, o abismo existente entre os mais ricos e os mais
pobres, com uma presença de negros desproporcional entre essas classes, onde os
negros predominam entre os mais pobres. Essa dívida deve ser paga com a
garantia real de igualdade de oportunidades, através de serviços públicos de
altíssima qualidade, através da Saúde, da Educação, da habitação e do
Saneamento, criminalizando e punindo, de fato, quaisquer atos de violência
étnico-racial e/ou discriminação, seja o indivíduo de qualquer espectro étnico
ou social. As pessoas, não importa a origem, credo ou o que for, merecem
dignidade. O grande preconceito, no Brasil, não é, apenas, contra os negros, é,
principalmente, contra os pobres. E os negros, em sua maioria, estão
localizados nesse espectro social.
Existem representante de movimentos negros que EXIGEM a reparação da dívida histórica em dinheiro, com depósito realizado diretamente na sua conta bancária, com cifras que chegam a mais de sete dígitos, antes da vírgula, de forma a se tornarem milionários. Uma atitude egoísta e individualista. Mas isso não zera essa conta histórica. Essa conta não fecha e nunca será fechada, se não for discutida de forma equilibrada, inteligente e civilizada, que possa resolver o problema de todos, inclusive dos brancos que se sentem culpados pela diáspora africana, por conta dos seus ancestrais. Reivindicação egocêntrica e presunçosa, com disfarce de ação reparadora e inclusiva, não passa de um sentimento vil e rasteiro de vingança.
A dívida histórica é, e sempre será,
da Monarquia, que a República precisa resolver, com a criação de condições para
que negros pobres (e brancos pobres) tenham as mesmas oportunidades e
possibilidades que possuem as elites, elites essas que abrigam muitas pessoas
negras.
A separação de negros e brancos em
guetos, nos bancos escolares, no transporte coletivo enfim, em todos os
lugares, é a reivindicação de muitos brancos reacionários e outros tantos
negros descerebrados. Ambos querem a mesma coisa, a recriação do apartheid, da
África do Sul, e das revoltas e cisões raciais nos Estados Unidos dos anos
1950/1960, o retorno das políticas nazistas de purificação racial e ao caduco eurocentrismo
medieval, re-criando uma versão deformada afrocentista, com todas as ideias
medievais delirantes, que pregavam que a Europa era o centro do mundo, ainda
hoje representada em muitos mapas. A Europa acreditava que o restante do mundo
era uma periferia selvagem que precisava ser civilizada, domesticada,
cristianizada, conquistada e europeizada.
Essas vertentes separatistas, entre
brancos e negros, no Brasil, trazem consigo a ignorância histórica dos
negacionistas, tanto do lado dos negros intransigentes, como do lado dos
brancos intolerantes, mostrando que essas diferenças ínfimas e sem a menor
importância, os tornam profundamente iguais.
Puro retrocesso.
Magé, 11 de Março de 2022.
Edson Oliveira
Publicitário e Diretor de Marketing
do Instituto Água